Afirma Desmurget que as crianças entram em contato com os livros muito antes de saber ler, seja pela leitura compartilhada ou quando fingem que estão lendo e no manuseio de livros ou álbuns com figuras, etc. Tais encontros com os textos, se incentivados, têm um impacto duradouro e profundo no desenvolvimento da criança: inserem o livro e a leitura nos hábitos cotidianos, preparam o cérebro para o pensamento profundo e para as exigências das futuras aprendizagens formais, familiariza os neurônios para as complexidades e singularidades dos textos.
Crianças, e mesmo os pré-adolescentes, gostam de que leiam histórias para elas. Para a criança se tornar leitora é imperativo que seja exposta precocemente aos livros, e tudo se inicia pela leitura compartilhada, que tem duas raízes: uma emocional, onde a criança sente que é um momento especial, mágico, alegre, de calor humano; a segunda é o desenvolvimento da linguagem, o enriquecimento da imaginação, a melhora dos resultados escolares.
Até os 6 anos de idade concordam os pais que a leitura compartilhada é essencial. Porém, quando as crianças aprendem a ler, por volta dos 6 ou 7 anos, deixam de ler para elas porque creem que estão com idade para fazerem isso sozinhas, e porque pensam que a interrupção da leitura compartilhada irá favorecer a “leitura autônoma”, e com tais pensamentos deixam de supervisionar e incentivar as atividades literárias dos filhos. Em pesquisa citada por Desmurget, muitos adolescentes afirmaram que teriam gostado que seus pais continuassem com a leitura compartilhada. Na verdade, longe de se excluírem, os hábitos de leitura individual e compartilhada se fortalecem quando se somam.
Quanto mais uma criança é exposta à leitura compartilhada, mais ela tende a ler sozinha, independentemente da idade. Os pais que cessaram de ler histórias para os filhos, ao pensar que com isso promoveriam a autonomia e a prática da leitura individual, logo constataram que isso não ocorreu. Na fase pré-escolar é muito importante a leitura compartilha, e poucos são os pais que leem todos os dias para seus filhos, nem incentivam os irmãos mais velhos a fazerem isso para os menores.
As telas digitais vêm roubando não apenas os momentos de leituras, mas também as interações familiares. Para crianças de 0 a 5 anos, um estudo estabeleceu que a cada hora diária de televisão, que é a principal tela nessa faixa etária, elimina 40 a 50 minutos de interações humanas. Da mesma forma foi demonstrado que entre crianças em idade pré-escolar (3-5 anos), a leitura compartilhada é um terço menor que o consumo diário de telas (essa pesquisa envolveu por três anos milhares de crianças nos EUA). Desses dados surgiram duas conclusões: quanto mais as crianças consumem telas aos 24 meses, menos elas são expostas à leitura compartilhada aos 36 meses; quanto menos as crianças são expostas à leitura compartilhada aos 36 meses, mais elas consumem telas aos 60 meses. Ou seja, a primazia do digital sobre a leitura se revela no tempo diário dedicado às telas digitais: entre 0 e 5 anos, as telas recreativas consomem quatro vezes mais tempo do que os livros.
Ao chegar no primeiro ano do ensino fundamental, o afastamento da leitura familiar traz sérias dificuldades ao aprendizado dos filhos. A mensagem é clara: o uso recreativo de dispositivos digitais reduz significativamente o tempo da leitura compartilhada. Certa pesquisa recente, citada por Desmurget, concluiu que “o lugar ocupado pela leitura na infância tem um peso [leia-se consequência] significativo na vida adulta”. Apesar dos pais reconhecerem a contribuição fundamental de lerem para as crianças, poucos o fazem. A maioria dos lares ao invés de livros estão infestados de telas recreativas, que monopolizam o tempo livre dos filhos e causam inúmeros vícios e travamentos no desenvolvimento comportamental, psicológico e intelectual.
O esforço dos pais para se tornarem leitores habituais incentivarão os filhos a imitá-los.