A maturidade é um tema importante, ligado à personalidade, ao modo estável de se relacionar consigo próprio, com os demais, e com o mundo. A maturidade é um processo que vai se desenvolvendo ao longo dos anos, e por isso ninguém pode se considerar totalmente amadurecido, pois a vida traz sempre novas situações e desafios que não se sabe como serão enfrentados.
Se é difícil definir o que é uma pessoa madura, não o é perceber a maturidade ou imaturidade no comportamento de alguém. Não se trata de uma definição, mas da constatação de que a pessoa madura age de forma harmoniosa e sabe dar a nota adequada a cada situação, sem estridências, tal como um instrumento afinado, que não destoa. Francisco Insa, em seu livro “Formação da afetividade”, oferece os seis critérios para avaliar a maturidade pessoal e a daqueles a quem se deve formar, desenvolvidos pelo psicólogo americano Gordon Allport, professor de Harvard, considerado o pai da psicologia da personalidade.
1 – Extensão do sentido de si mesmo
Refere-se à conexão do eu com outra pessoa. Trata-se de sair do limite de si mesmo e alcançar o outro ao perceber que ele tem preferências, sentimentos e necessidades, e que o bem da outra pessoa é tão importante quanto o meu próprio bem, em qualquer âmbito: familiar, profissional, social, na relação com Deus…
No fundo se trata de sair de si e olhar ao redor para agir com os demais tal como queremos que ajam para conosco. É uma preocupação com o outo, que passa a fazer parte do nosso eu. Um exemplo desse sair de si para se dirigir ao outro oferece Tolstói em Ana Karenina, ao dizer que Levine amava tanto a sua esposa Kitty, que já não sabia o limite que separava a ambos, porque ela já fazia parte da personalidade dele.
É importante de integrar a pessoa, desde a infância, em diversos grupos – familiar, escolar, esportivo, cultural –, pois sentir-se membro de uma coletividade ajuda a desenvolver a sensibilidade para perceber os interesses e as necessidades dos demais.
A extensão de si mesmo evita animosidades, apontar as carências nas estruturas sociais e em seus dirigentes. A pessoa madura ao se ver inserida por laços estreitos a uma instituição, procura colaborar na solução dos problemas como parte integrante dela (faz parte do seu eu), e age não como um telespectador que se dedica a criticar, mas em nada ajuda.
Aos que têm a missão de formar pessoas – pais, professores –, devem perceber se os educandos saem de si para se voltarem aos seus pares. Se o educando vir que o educador sai de si para ajudá-lo com metas exigentes, mas factíveis, passará a confiar mais em seu formador.
2 – Relação emocional com outras pessoas
A pessoa madura não cria animosidades com os demais ao seu redor; ao contrário, se interessa por eles, é empática, compreensiva, tira a importância dos defeitos deles, sabe escutar e conviver com os que pensam e são diferentes de si. Essa relação emocional boa constrói autênticas amizades porque faz agir desinteressadamente e fugir das críticas e murmurações. Quem é desprendido de sua imagem não cria panelinhas nem dependências afetivas, porque não pretende dominar o outro para ter um séquito de admiradores.
O imaturo não tem boa relação emocional com ninguém porque ama apenas a si, e por isso se impõe, deseja que todos pensem a ajam como ele, se intromete em assuntos para chamar a atenção e destila o veneno de queixas, críticas, ciúmes e sarcasmos, quando as coisas não saem como quer. Em Irmãos Karamazov, Zózima afirma que ama a humanidade em geral, mas que não consegue amar e conviver com pessoas em particular, e que subiria ao calvário pela humanidade, mas que não podia conviver dois dias com uma pessoa na mesma casa.
Na formação das pessoas, diz o Papa Francisco, é preciso estar atento para que os educandos não dominem seus pares, nem se fechem à amizade ou tenham dificuldades de estabelecer relações interpessoais
3 – Segurança emocional
Os estados de ânimo devem guardar proporção qualitativa e quantitativa com as circunstâncias que os desencadeiam. Este critério de maturidade mostra a necessidade de saber expressar os sentimentos com proporcionalidade: não exagerar na manifestação deles em situações que merecem poucos sentimentos, nem colocar menos sentimentos em situações que mereceriam mais: depositar demasiado sentimento em pets e pouco em pessoas revela desajuste emocional.
A pessoa madura possui saudável autocrítica que a leva a buscar soluções e a ter conduta flexível para saber perdoar ou não deixar de cumprir as obrigações quando o estado de ânimo é contrário a elas. A maturidade por não ser imediatista faz perseverar no esforço por alcançar bens mais distante, tolera as frustrações, releva as contrariedades sem chutar o balde. Ver os erros próprios e alheios sem cair na frustração, autocompaixão ou cólera, nem buscar culpados para descarregar a própria culpa, são sinais de segurança emocional.
Na formação das pessoas é preciso perceber como os educandos vivenciam seus estados de ânimo: friezas, antipatias, rompantes afetivos desproporcionados (torcer pelo time exagerando a conduta, irritar-se porque perdeu um jogo) são condutas que precisam ser corrigidas o quanto antes.
4 – Percepção realista dos fatos
Esta característica da maturidade refere-se à relação com o mundo, com a verdade dos fatos e a capacidade de interagir com o entorno sem alterar a realidade. O imaturo distorce os fatos, negando-os, para refugiar-se em fantasias que alteram o modo de ver a realidade: – Não, isso não pode estar acontecendo comigo!
Já o maduro raciocina sobre fatos reais, sem se deixar levar pelo pensamento mágico ou infantil condicionado por emoções que buscam alterar a realidade para satisfazer critérios egoístas ou covardes. A capacidade de perceber realisticamente os fatos relaciona-se com a responsabilidade, com o trabalhar bem para solucionar os problemas que se apresentam, organizando e cumprindo as tarefas com constância, independente de estados de ânimo.
O educador deve perceber se o educando está dentro ou fora da realidade: se um colegial pretende fazer engenharia e desconhece as matérias que pesam mais no ENEM ou Fuvest; se não sabe o número de questões dessas provas, nem o tempo a dedicar a cada uma; se possui ou não as qualidades necessárias para esta, deverá posicioná-lo diante dos fatos para não se deixar levar por fantasias ou confiança ingênua de que as coisas irão se ajeitar por si sós, pondo-se à espera de situações idílicas que dificilmente acontecerão. Trata-se de ajudar as pessoas a enxergarem os problemas de forma realista, ensinando-as a buscar soluções compatíveis com suas possibilidades, propondo metas ambiciosas, mas realizáveis, e sem desanimar diante dos obstáculos.
5 – Autoconhecimento e senso de humor
Trata-se de conhecer-se tal como realmente se é, com qualidades e defeitos. O ditado que “o melhor negócio do mundo e comprar um homem pelo que vale e vendê-lo pelo que acha que vale”, sustenta-se no desconhecimento pessoal. Revela imaturidade possuir uma ideia pobre de si mesmo (baixa autoestima), ou, ao contrário, ser afetado ao se mostrar como na realidade não se é, tal como o adolescente que anda com um tênis de boa grife, mas falsificado, pois pretende enganar a todos de que sua família é endinheirada.
É experiência comum entre os psicólogos que as pessoas conscientes de suas carências e defeitos são menos propensas a atribuir defeitos nos demais e não estranham que os demais também tenham defeitos. E por serem mais compreensivas em seus julgamentos, se tornam pessoas mais aceitas. Há quem possui defeitos e não os percebem, e projetam nos demais suas próprias carências: Santo Agostinho dizia “Procurai adquirir as virtudes que credes que faltam em vossos irmãos e já não vereis os defeitos deles, porque não os tereis vós mesmos”.
O autoconhecimento da pessoa madura conduz ao bom humor, ao sabe rir diante das carências e falhas próprias, que as reconhece, mas não se abala por ser humilde e ter esperança de mudar ao colocar os meios. Esse humor é diferente do riso debochado do cínico, que ri de si e dos demais sem esperança de mudanças positivas.
Um bom caminho para o real conhecimento de si é perguntar-se: – Como as pessoas me veem? Julgo correta ou falsa essa opinião que os demais têm de mim? O conhecimento de si somado ao juízo correto da realidade (quarto critério) leva a servir aos demais com as aptidões e qualidades pessoais sem falsas humildades, e por não invejar os demais.
Perceber na formação dos mais jovens a tirania das expectativas, que os leva a pensar que seus pais, professores ou chefes esperam muito deles, o que nem sempre coincide com a realidade, levando-os a tensões e ansiedades ao querer agradar e satisfazer os desejos dos outros, mesmo que não goste do que faz.
É preciso evitar a distância entre o que eu sou, o que poderia ser, o que gostaria de ser, o que creio que deveria ser e o que os outros me dizem que deveria ser. Estar próximo dessas apreciações é estar na verdade sobre si.
6 – Filosofia unificadora da vida
A personalidade madura tem uma filosofia que unifica e dá sentido à vida, formulada em um sistema de valores que orienta as ações em busca do fim que escolheu viver: um cristão busca a unidade de sua vida com Deus; um pacifista, ecologista ou comunista orienta sua vida em busca desses valores que acredita; o teórico procura a verdade, o utilitarista busca o útil; o estético, a forma; o político, o poder… Cada deve examinar sua coerência.
Cabe a cada indivíduo descobrir seu caminho e aderir livremente a ele. Os formadores ao apresentar um ideal de vida atrativo e atingível, ajudará o formando a descobrir o tipo de pessoa deseja ser, o ideal de serviço aos demais que o atrai, e como se esforçar para tal, sempre contando com a ajuda de Deus, que não abandona ninguém.
Texto produzido por Ari Esteves com base nos ensinamentos de Francisco Insa, no livro “A formação da afetividade”, Editora Cultor de Livros, São Paulo – SP. Imagem de Ayşenaz Bilgin.