Apaixonados pela irrelevância

Conhecer, diferente de pensar, pode se configurar na acumulação de ideias, imagens e informações. Já o pensar exige ir ao fundo das questões, distinguir entre o bom e o ruim, o verdadeiro e o falso, e a manter um diálogo interior que conduz à reflexão crítica.

Atualmente, o hábito de pensar vem escasseando devido ao alto consumo de imagens e informações inúteis trazidas pelas novas tecnologias, o que impede a inteligência de fixar-se no que é mais importante, e a faz entrar em colapso e se tornar preguiçosa para o pensamento profundo. O bem mais escasso do nosso dia já não é o tempo, que continua com 24 horas, mas a atenção, comprometida hoje pela baixa capacidade de filtrar as informações e fixar-se no que é mais relevante, e isso não depende da capacidade técnica para operar novas tecnologias, mas da atividade profundamente humana que é o ato de pensar.

         A internet mal utilizada e o excesso de tempo gasto em redes sociais rouba o tempo das experiências vitais e frutuosas, e vem tornando a cabeça de crianças, jovens e adultos numa espécie HD que armazena conteúdos de pouco interesse. Catherine L’Ecuyer, em seu livro “Educar na realidade” (Fons Sapientiae), revela que o fácil e rápido acesso às informações oferecidas pelas novas tecnologias, tem levado à falsa sensação de se conhecer muitas coisas, porém irrelevantes, tal como saber que uma fatia do bolo de casamento de Diana de Gales com Charles, na Inglaterra, foi vendida em leilão por 1.500 euros. Não haverá informações mais úteis para aplicar a mente?  Hipoteca-se, assim, o cérebro com informações desnecessárias. A mera acumulação de informações, diz L’Ecuyer, é como preencher de pontos uma folha em branco, até que fique toda pontilhada de preto, mas sem sentido. O pensamento humano deve relacionar os pontos e formar uma figura que tenha sentido, pois é daí que nasce a criatividade. Steve Jobs afirmava que “A criatividade é ligar pontos”. Ou seja, é necessário refletir para ligar os pontos das nossas experiências e a que captamos com os demais.

        O ato de pensar leva a avaliar, a refletir criticamente e a ser protagonista e não mero observador passivo da realidade. Quem aplica seu tempo com informações selecionadas, torna-se mais virtuoso e passa a contribuir de forma positiva com todas as pessoas. Sem o pensar, o critério de relevância se tornará impossível, e todos – crianças, adolescentes, jovens e adultos – se apaixonarão por banalidades. Charles de Foucaut dizia que “a maior miséria do homem é a sua dispersão. Dispersos, estaremos em muitas partes e em nenhuma. Assim, começamos por não nos encontrarmos e terminamos sem saber quem somos”. Isaac Newton atribuiu suas descobertas “à atenção paciente, mais do que a qualquer talento”.

        As crianças de hoje parecem mais preparadas tecnicamente para operar tecnologias, mas são as menos capazes de dialogar consigo próprias para pensar e se motivar por metas mais relevantes. Com a memória e a imaginação cheia de descartáveis, não lhes sobra espaço para o diálogo interior que as levaria a se comprometer com ideais mais interessantes. Por isso, elas vêm se tornando presas fáceis e manipuláveis da publicidade consumista e dos games que as despersonalizam porque as levam a imitar falsos heróis. O uso passivo das novas tecnologias cria pessoas conformistas que esperam que os outros mudem as coisas para melhor, mas não mexem um dedo a fim de que isso aconteça. É preciso ensinar as crianças e os adolescentes a desenvolverem critérios de relevância para empregar o tempo e as qualidades que possuem na busca informações e atividades com as quais possam melhor servir aos demais. É conhecida a metáfora entre a inteligência e a jarra de vidro a ser preenchida: se se começa pela água (excesso de imagens ou de informações desencontradas) não haverá espaço para o mais nada. Porém, se forem colocadas primeiramente dentro da jarra as pedras grandes (o mais importantes), sobrará espaço entre as pedras para colocar areia e, por último, a água que ocupará a jarra até a borda. Já que a inteligência e a memória humana não são infinitas, ao menos albergarão o que é mais útil ou importante.

         Os pais devem encarar a formação própria e a educação dos filhos não como um acúmulo de informações vindas de arsenais tecnológicos, que podem converter as pessoas em apaixonadas pela irrelevância. Cervantes, Dante, Mozart, Picasso, Jerome Legeune, Sabin, Pasteur, Dostoievski, entre muitos outros, se tivessem dissipado o tempo e a inteligência com conhecimentos inúteis, não teriam feito tanto bem à humanidade. Não se trata de que os filhos sejam Prêmios Nobel, mas que empreguem melhor as capacidades que possuem e desenvolvam as habilidades que a natureza lhes dotou, sejam artísticas, técnicas, científicas, culturais ou esportivas. Os pais, se não estiverem com a atenção absorvida pelo que pouco interessa, poderão incentivar os filhos a se concentrarem no que melhor possam oferecer.

Texto produzido por Ari Esteves para o site www.ariesteves.com.br, com base no livro “Educar na Realidade”, de Catherine L’Ecuyer, Editora Fons Sapientiae, 2018, São Paulo.

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Ari Esteves

Ari é Advogado (USP-Largo São Francisco), licenciado em Pedagogia pelo Centro Universitário Internacional, licenciado em Letras pelo Centro Universitário Claretiano e pós-graduação em Mediação de Conflitos Escolar e Familiar (Universidade de Fortaleza). É editor do Boletim Pedagogia do Comportamento, e autor do livro Família em Contos: os Larletos, Editora Cultor de Livros, São Paulo, 2009.

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Ari é Advogado (USP-Largo São Francisco), licenciado em Pedagogia pelo Centro Universitário Internacional, licenciado em Letras pelo Centro Universitário Claretiano e pós-graduação em Mediação de Conflitos Escolar e Familiar (Universidade de Fortaleza). É editor do Boletim Pedagogia do Comportamento, e autor do livro Família em Contos: os Larletos, Editora Cultor de Livros, São Paulo, 2009.

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